29.01.18
Rascunho #2
Nuno Casimiro
Ele era alguém à deriva. Não tinha qualquer propósito nem se sentia parte integrante de qualquer coisa. Ostentava no seu sorriso tímido um desconforto existencial. Era como um átomo disperso, solto da magnitude da existência. Desejava transformar o Nada em alguma coisa. Queria sentir. Essa carência de sentimentos obrigavam-no a guardar uma certa ansiedade que o corroía. Na iminência de implodir, foi escondendo as suas mazelas até não haver mais espaço no sótão da sua inconsciência. Era-lhe difícil distinguir entre o correcto e o errado. Tornou-se num mentiroso. Porque mentia descaradamente de forma a ter qualquer consideração. Era infeliz. Carregava na alma um grito destrutivo, capaz de partir janelas. Queria libertar-se da agonia que a melancolia havia criado, e desenvolvido, com o passar das tormentas .
Era frequente ter momentos de pura lucidez, em que se apercebia dos seus erros. Mas em vez de ouvir a voz autodestrutiva que sempre o acompanhara desde tenra idade, tentava procurar alternativas que lhe aconchegassem o que restava da sua alma. E nesses instantes um optimismo apoderava-se do seu corpo, dando-lhe um qualquer sentimento de crença em si próprio. E assim passava os seus dias, envolto em teorias que o absolvessem das suas incoerências. Escrutinava-se, entendia-se. Mas um certo ódio teimava sempre em recordar-lhe do quão irresponsável ele fora. E continuava a ser. Porque já entrara num círculo vicioso e persistente, sem qualquer avistamento de saídas de emergência. Só uns meros buracos imprevisíveis que se deixavam notar no seu telhado de vidro o permitiam ver a Luz.
Ninguém sabia deste seu estado. Sentia uma enorme dificuldade em expressar-se junto das pessoas, temendo não ser compreendido, nem mesmo escutado. As repercussões que ele imaginara mantinham-no na sua solidão extenuante. Sentia-se cansado, embora sem aparente razão aos olhos de terceiros. Mas era assim que se sentia. Suplicava silenciosamente por um ouvido que escutasse o que durante anos ele mantivera só para si, o que o consumira como um vulgar animal. A sua pose contrastava com um semblante quase moribundo, funesto e delirante. Ele só queria ser ouvido, como nunca antes se permitiu a ser.
À medida que partilhava as suas amarguras, os seus olhos enchiam-se de lágrimas que ele recusava deixar cair, tal era o seu orgulho. Mas que orgulho desmesurado era aquele, questionei-me. Fazia uma força tremenda para não claudicar; sentia um arrependimento extenuante, que lhe provocava um sufoco como nunca antes tinha visto. Dei por mim envolvido num sentimento extraordinário de compaixão. Ele pedia piedade; o seu maior anseio era ser absolvido dos seus actos de modo a poder viver, tal como uma pessoa normal. Cheguei à conclusão de que ele chegou a este ponto devido à parca comunicação que sempre pautou a sua existência.