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À Beira da Lua

À Beira da Lua

25.07.20

Onde nada acontece


Nuno Casimiro

Eu sou onde nada acontece –

o descuido que se oferece a flores que murcham à sua mercê nos dias curtos

de fevereiro;

o alarme constante que dita o fim das fantasias só ao alcance dos sonhos;

o modo frenético com que se encaram as questões à beira do fogão;

a nostalgia que se apodera dos primeiros dias de chuva;

uma ocasião confortável capaz de contrariar o sentido dum furacão;

a ponte unindo um rio que caiu em desuso;

uma existência indefinida bramando os planos frequentes;

a altivez do mau humor.

Onde nada acontece é a aflição a que me entrego.

25.07.20

Dor de ser não sendo


Nuno Casimiro

Doem-me as costas

De tanto me curvar

Perante a sisudez

Contagiante

Dos que têm razão.

Doem-me os olhos

De tanto procurar

Na escuridão

Aquele alívio

Que me foge

Durante o dia.

Dói-me a alma

De tanto contrariar

As devoções

Que acalentam

E prosperam

Os sentidos.

 

Aleijam-me as memórias

Que tenho de mim,

De quando tudo emergia

Num gelado de baunilha

Num jardim por onde deixei de passar.

24.07.20

Entre vigílias


Nuno Casimiro

Enrolo cigarros freneticamente

Enquanto penso em poesia.

 

A poesia pensa-me

Enquanto aclamo velhas sensações.

 

Um frio simpático entra pela janela meio aberta,

Pela persiana a meio gás.

Distraio-me com o filtro que se colou nos lábios. 

 

Hesito face à premissa de um poema novo enquanto recuso tentar dormir.

O cigarro não satisfaz. Fi-lo defeituoso.

Os pés descalços acusam a falta de calor. 

 

Nem gosto do verão mas sinto-lhe a falta

à medida que as palavras custam a pensar.

 

Tenho que me inovar – e de outro cigarro talvez.

Mas não sei como rimar.

 

Guardo aquele instante

Enquanto desisto de mim.

 

Enrolo cigarros avidamente

Ao ritmo de pensamentos manipulados.

 

Articulo um discurso imaginário.

Houve dias em que ninguém ouviu a minha voz. Nem mesmo eu.

 

Fico exausto de pensar que estou exausto.

Só existem 24 letras… contei bem?

Com quais se escreve o teu nome?

Costumava tê-lo na ponta da língua.

 

Não me posso esquecer de fechar a persiana.

Até já tenho os pés gelados.

Ou então calço umas meias e continuo a fumar

E a pensar em novas formas de te poetizar

E a iludir-me com o cocorocó que vem dali tão perto.

 

Pois sim, harmonia.

Os lençóis vão cheirar a cigarros frenéticos logo ao acordar.

 

Se deixar a janela aberta alguém pode querer ver quem escreve poesia até tão tarde.

O véu fica esquecido à porta da percepção.

Escondo o cinzeiro, fujo da ética.

Enfio a cabeça na almofada e julgo conhecer o amor.

24.07.20

Baixo astral


Nuno Casimiro

No pico das madrugadas amenas

o foco extingue-se e despreza-se o tacto.

Interpretam-se erroneamente os cometas dando-lhes asas e um propósito.

Também eles podem amar e sentir o calor dum café fresco logo pela manhã.

Pressiono a face contra a almofada irregular e gasta. Por momentos recuso-me

a respirar.

Num sufoco breve e trapaceiro

imagino o que seria

se fosse

estrela.

Ou se me desses a mão

                  num fim de tarde

                            de dezembro.

24.07.20

Entrelinhas


Nuno Casimiro

O silêncio nas entrelinhas

Arrasta-se para lá do instante

Em que o mar, no seu jeito sôfrego,

engole o sol.

Permanece, em jeito de memória,

o reflexo do seu último brilho

Num copo quase meio vazio

Num sítio quase meio estranho.

O que dirão as angústias

Dos que comentam a vida

Em meu redor?

Falarão elas também do sol,

Da lua, das cervejas bebidas

E daquelas ainda por beber?

Estou a ver que não consigo pôr de lado

As falácias das manhãs que nunca chegam a ser.

Apresento-me distante e cansado,

Fustigado pelos destinos utópicos

Duma noite de conversas alheias.

Mas ficarei bem desde que não enlouqueça.

Deixar-me-ias enlouquecer

Se te contasse histórias?

Entra no ritmo que me regenera a cada dia

E eu conto-te os segredos duma vida a pensar em ti.

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