Procura os teus tormentos e as palavras que nunca disseste
Compila tudo num cocktail de imaginações ignóbeis
E sai à rua.
Deste lado do rio os anseios dispersam-se e cria-se uma bolha de ar
À tua volta.
Reparas que falta algo na moldura que unifica as analogias das vozes estranhas.
Recapitula a última meia hora e escreve um poema sobre ti
Suspira a tua presença e procura sinónimos.
(Chega-me uma sombra que adormece o calor no pescoço – calor de pensar pouco)
Bebe uma cerveja e pensa em quem nunca pensaste. Brinda com os males
Embutidos na pele.
O peito abre-se e dele salta um brilho, empapado em lágrimas das vidas anteriores.
Seca esse brilho e respira. Inspira os cheiros de pimentos grelhados
E brinda com as memórias voláteis.
Finta os desassossegos que te acompanham durante o sono e faz-te crer que a luta ainda nem começou – a luta da qual ainda ninguém sabe.
Prepara-te. Afia os lápis e destrói os preconceitos de uma borracha sufocante.
Sai à rua e grita ao que vens. Se não te ocorrer nada canta qualquer coisa do tio b. Alguém quererá saber onde acaba o Gilão. E onde começam os milagres das tardes sobre um manto verde.
Desconstrói a tua vista e alarga o horizonte das ruas ribeirinhas. O rio corre calmo e o comboio sempre passa à hora combinada. A terra treme.
Nós trememos as convulsões de um relógio certo.
(O comboio ali vai, mas não se lembra de levar o meu pranto)
A cerveja aquece os ânimos frenéticos e o pânico das madrugadas torna-se mais estreito. O receio dos cabelos desarrumados faz ter uma voz doce, pouco audível nestes dias estranhos.
Finta os choques com a realidade que não é tua
E desaparece na neblina de um dia atípico. Mas só se souberes o que escrever.
Faz-te crer que existe um qualquer apetite em ti – um sentido sensorial.
(Deixa de fazer sentido procurar um lugar ao sol
Onde possa parar de chorar)
Não creias nas ilusões que preenchem cada mover de mão. Não sigas o rasto incrédulo de cada palavra mal pensada.
Demora-te (sozinho). Repara nas esquinas de cada luar, sente o avolumar dos dizeres mais bonitos dentro dos silêncios mais estranhos à tua forma de caminhar. Não te deixes cair nos fossos que separam o teu peito das lágrimas exageradas à escala de uma exaltação supérflua.
Entende um pôr do sol. Derrapa perante os devaneios dum rio de vinho tinto e envolve o teu olhar nos olhos exploratórios de um sítio incomum, repleto de pessoas que partilham o mesmo constrangimento.
Reserva as tuas expectativas para quando não existe nenhuma (nem as exijas) – talvez aí tudo aconteça sem quereres (como um susto, como um sorriso inesperado, um beijo, uma alucinação).
Brinda com o carinho de um olhar cúmplice, mesmo sabendo que tudo se esfumaça.
Amanhã existe se não politizarmos o sentido de um cortejo grotesco contra os bares que fecham dentro de nós. Tudo fecha dentro de nós, na verdade.
Derrete-te com as noites infinitas sob o som esotérico de hesitações explorativas. A visão embacia-se e os dedos precisam de estalar logo após chegares onde nem precisas de chegar.
Faz-te crer que tudo muda a cada hora, a cada canto dos pássaros, a cada facilidade incoerente.
Bate as palmas quando alguém se arrisca. Talvez venhas a precisar desse calor – condiz com as discrepâncias da tua natureza fugaz.
Brinda às sensações que nunca mais vais sentir.
Vais notar-lhes a falta num fim de tarde a fugir de ti.