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À Beira da Lua

À Beira da Lua

30.12.20

frio que vem da rua


Nuno Casimiro

Estou a pensar em ir beber cerveja
para outro lado,
onde não conheça qualquer lager
nem persista a azia do dia seguinte.
Penso em acabar com tudo,
na verdade,
a cada conversa enraizada
num par de horas
envoltas na inexplicável bruteza
duma língua torcida.
Só a soberba de ouvinte desvirtua
a destreza da consciência
e um purismo qualquer
consola a ingenuidade reflectida
no pouco que se vive – o desapego
é tão libérrimo quando convém...

Estou a pensar em ir beber cerveja
para outro lado,
onde não conheça o vazar dos rios
nem me confunda com o chão que piso.
Penso em acabar com tudo,
na verdade,
a cada lua que se enche
no período mais fértil
da desatenção,
carregada de nostalgia
que range os dentes mais distantes.
Talvez mais lá à frente, de pescoço esticado,
seja capaz de ouvir os ritmos mais contagiantes
e permita que o corpo dance
a leveza de não questionar o embaraço –
ai, como sinto o frio que vem da rua...

28.12.20

por cima das danças


Nuno Casimiro

tudo aquilo que assegure
a percepção da realidade
é bem visto,
mas olhado de lado
arrogantemente.
haverá sempre um desdém
intrínseco num acordar
ou nas falsas questões
que tanto perseguimos
nos intantes
antes
de pernoitar sobre um problema.
na hora de pagar o descontentamento
renasce o fogo que se apagou
na véspera de se fazer noite
nas ruas de sempre.
a solidão abraça os gemidos ocos
das estátuas cabeludas
e poisa um pó,
após
a passagem grotesca dos que correm
para lado nenhum,
que se infiltra e desestabiliza
a engreganem dum piscar de olhos.
crescem pontes toscas
em jeito de ode à conveniência
mas pouco se condensam
as estações do barulho são
que se dissipa no rescaldo
do tempo.

pelo menosprezo que não inspiro
permanecerei por cima das danças
até que por fim se concretize um dia.
por enquanto agarro um cigarro
e recapitulo a realidade
que não expiro –
pelo meio de um poema irreflectido
virás até mim de vez
com calor embrulhado
nas mãos.
e desapareceremos
por entre o céu nublado
de finais de dezembro.

27.12.20

calor na pele


Nuno Casimiro

Tantos são os passos que se avolumam de convicção a cada dois metros de mim;
mal sinto o tremor na terra hesito numa ansiedade comungada com calor na pele.
Incho o peito sem decoro
e extravaso grosseiramente o mal estar –
nem a voz interessa para a equação
dos dias que sempre se permitem
a ser noite.
Desordenadamente derrapo
nos farrapos que fiz de mim;
atonitamente concluo
que pouca coisa sei dizer
sobre as estações
mas apraz-me a quietude
do tempo que estagna
uma forma de estar –
       meio outono,
       meia perna em formigueiro,
       meia dose de estoicismo.

Gingam-se breves choques de energia
ora doce
e floreada
e entusiasmante
                  na cara do mundo
ora amarga
e desnorteada
e sufocante
                  no soslaio da inquietação.

                  //

Fomos em direcção a um sol,
                      destemidamente,
sob a alçada
       do capricho
            de um abraço
que durou noites incontáveis.

25.12.20

filosofia brega


Nuno Casimiro

Reflicto sem causa
tremido na pausa
ameaça chover
bem por cima do cabe
                                        ço
que embaraço
será fumar sem braço
no rescaldo
prendo uma filosofia brega
aconchego o resultado
fito o desembaraço
que não é ilha grega
nem pedaço de serra
para recalcar o infortúnio.

Num momento
sorvo o alento
engasgo a premonição
de um filme lento
                               e
num tropeção
à beira das danças
em quadrado farto
fico sem joelho
sem jeito nem reacção
despejo as graças
ao lançar um dado
ao acaso –
contrariedade no sobejo.

Dois dias
sobressaltam
          um mês
enquanto a garganta
                                      arranha
o grito solene
            dos ventos.

24.12.20

pedaço da noite


Nuno Casimiro

Pouco resta
após a primavera.
Não sei nada
e nem me canso disso.
Tanta conexão
e a angústia é farta.
Prendo a língua
perco a voz.
A cabeça alonga-se
demora a cópia.
Hesito e não respiro
vem a tosse de que se fala.
Debate-se peixe
nem sei o que beba.
Rimo-nos tanto à volta do barulho
mas nunca cantei uma mensagem.
Prefiro perder-me nas palavras
que nunca hei-de encontrar.
Arregaço as mangas
e dispo um pedaço da noite.
Visito os recantos das esquinas largas
onde o teu cheiro se dissipa.
Volto atrás para seguir em frente
crescem curvas que me cegam.
Pressiono a terra com o pé direito
mesmo antes de sair da cama.
O ânimo emperra na porta torta
ninguém entra nem volta a pensar.
Resta adivinhar um dia de sol
na posse plena de uma língua.
É preciso falar falar falar
sem desânimos ou cansaços.
Teimam-se as falácias
queimam-se as flores que ninguém cuidou.
Guardo o silêncio enquanto esqueço
aquilo que me disse um par de olhos.
É desta que me esquivo
mas onde crescem as certezas?
Ai
      ai
            ai
          
arranho
    o siso
      a cada
         suspiro.

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