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À Beira da Lua

À Beira da Lua

27.01.21

tosse que corta


Nuno Casimiro

Tão intermitentes os movimentos

Tão contemplativos os instantes

E quanto à hora seguinte?

Previsão de marmota
nada tem corrido mal
que regozijo banal
fatal quanto a tosse que corta.

E após a hora seguinte?
E após a tempestade?
E após os vintes?
Quem segura a perpetuidade?

Às vezes
existir assimetricamente
é a única variável que faz sentido.
Raras vezes
persistir assisadamente
é o único jeito de sentir o assumido.

E antes do peito inchar?
E antes das convicções?
E antes do rio desaguar?
Quem desaconselha as devoções?

Vai-se indo
quase à
pressa.
                   
                    Faz-se dia
                    sem qualquer
                    revessa.

Ajeita-se a cama
e recebe-se a
ansiedade.

                   Desenha-se um sonho
                   para meio dia sem
                   idade.

Vai-se para longe
só para não mais
voltar.

                   Enxagua-se a cara
                   para não mais
                   pensar.

26.01.21

ideias esquecidas


Nuno Casimiro

Muito antes do suposto
as ideias são esquecidas –
ainda nem viste nada
no que toca à rejeição.

Chega o reflexo do sol imposto
que foca especialmente as feridas –
é a rotina de baixar a cabeça em cada portada
e de procurar em profundidade um pouco de coração.

Refundam-se as memórias a gosto
consoante as músicas escolhidas –
fecham-se os olhos a meio da estrada
ao redobrar o esforço da devoção.

Extrapola-se um dizer transposto
revirando as línguas tímidas –
põe-te convencido do frenesim da fornada
enquanto eu canto intervenção.

Para lá do tempo de agosto
descem as luzes tremidas –
prepara-se o frio da jornada
ao som de outra canção.

19.01.21

fugir de corrida


Nuno Casimiro

Inevitavelmente,
fico sem
palavra.

Encontro um pedaço
de relva
e o sol chega
devagar,
trémulo.

Só penso
em fugir de corrida
envolto na premonição
do afecto
trepidante.

Engulo a seco
as dissimulações
da dicção
engasgada
de quem passa
aqui perto
sem pestanejar
os entendimentos
que arrebatam
as variáveis
da inquietação.

Vazio,
vazio profundo!
Tremem os ouvidos
e desincha o peito
à medida
que a noite
cai
para lá
do canto
dos pássaros.

14.01.21

voz enrolada


Nuno Casimiro

Alumiado pelas desconcertantes fantasias
governo um porta-moedas
que entrega peso
à aspereza de uma língua rotativa
abruptamente fintada
por um ouvido descompensado.
Tecnicamente estou mais longe
do que os minutos que antecedem
a noite já lida.

Faço as pausas devidas
e receito a voz enrolada
a cada suspiro que se entranha
nas fronhas floridas.
Decoro cheiros
para mais tarde estranhar,
na suposição de que não toco em nada
nem nada me toca,
mesmo que ao de leve,
como um sopro para acalmar a fervura.

A angustiante sensação
que persegue o mover aflito dos olhos
só faz ter sede não de água,
nem de dogmas,
mas de sossego irreflectido,
que talvez se encontre
entre as horas vagas
sem a exaltação dos dias passados
nem o caos dos sóis vindouros.

Sobejamente,
sou ar
trancado.

12.01.21

horas mortas


Nuno Casimiro

Resta adivinhar a ânsia
que perfura os céus que não toco –
mesmo de cabeça atenta
no topo dum pescoço bem hirto,
tudo está tão longe,
inacessível,
proibido.

Até a conjugação dos prazeres
soa a melancolia que agarra a voz
e pouco deixa sentir de novo.
Vou ter pêlo demais no fim
e não há qualquer sintoma de erro
dentro do que está combinado
com o calor.

Respingo as dádivas das horas mortas
refundando as redundâncias
dos reflexos incandescentes,
sempre na calha de um mal estar
quase metafísico,
num passo meio desconcertante.

É tempo de aprender a fazer noite
nas encruzilhadas dos dias que correm,
sem eu ter pulmão para arrebitar o senso
nem boa pele para afugentar a secura
do ruído insipiente.

Mas sim, eu sou sombra
em soma com a obra
nunca terminada na hora certa.
Encosto a discussão
sobre a verborreia acesa
e desato o nó dos sapatos
sem reparar no roxo
dos meus dedos gélidos.
Custa a crer que seja assim
o hiato das histórias que iluminam
um regresso a casa.

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