Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

À Beira da Lua

À Beira da Lua

11.01.21

par de noites


Nuno Casimiro

Resume um par de noites
num desnorte contemplativo
e pouco interessa em desmesura
para que lado fica o encanto.
Assim que o dente treme
a escassez de calor intensifica
a reanimação de uma vida em dissonância
com os movimentos horizontais
de um início de tarde à beira do sol
e entre as páginas de um steinbeck.
Pensa então num abraço interminável
que desrespeita as regras solúveis.
Bebe umas cervejas contra o frio
e conta uns contos que outrora
recordaste de cor
para quem quisesse ouvir
as inconsequências de apenas estar.
Cruza um olhar atento
com a ansiedade de um touro
que emana energia a cada precipitação
e reserva então para ti
as flores que colheste precocemente
apenas para as assegurar
a meio de um capítulo cerrado
mas insistente até ao epíteto.

Como a cama usada para o ensaio
das necessárias cambalhotas.

10.01.21

lume médio


Nuno Casimiro

scroll scroll
tudo visto de baixo para cima
noctambulismo obstinado
despacha as reticências
para a impaciência trauteável
em cima do fogão em lume médio.
sobe sobe
escadaria enviesada
que suspende a respiração
a cada dois pulos apressados
fugindo do que congestiona
as maneiras de pensar
uma mensagem já lida em suspenso.
refresh refresh
algo escapa a cada minuto
se não estiver atento
à falsa partida que dá fome
a quem esquece o jantar.
há uma conjugação entre
os recantos das danças
e as estações do tempo –
pouca memória pode custar
uma chegada galopante ao acaso.

07.01.21

trocar de passo


Nuno Casimiro

Aproximo lentamente
um peito vazio e ansioso
de um canto que persiste ao ouvido,
como um compromisso
                  prometido
                  em sussurro.
Vou acautelando
o caminho escuro,
como quem apalpa o corpo
na tentativa de reconhecer
um inchaço estranho.
Denoto cansaço nas pálpebras
e diminuo ingenuamente
um acordar simbólico,
duvidando daquilo que me toca,
mesmo que singelo,
como uma gota de chuva tímida
que desconfia da precipitação
dos dias.
Mas deixa-se cair
e a distração deixa-a percorrer
um pedaço de corpo enleado
enregelado
desconfiado.
Demoro diante dum sonho
na tentadora moleza
dos que não querem conhecer o exterior
dum abraço estreito e inseguro,
mas prendeo-os um desejo
de saber mais
e melhor.
Codifico as sensações
que hesitam em mim –
pouca prudência na melancolia
que exaspera um trocar de passo.

04.01.21

meia-haste


Nuno Casimiro

Não sei dizer como procuro ser noite.
Vou ali à gaveta do meio
amarrotar as falácias
e corto a vida em direcção
a sul de nenhum norte.
Já fecho a porta atrás de mim
mesmo que não conheça consolo
no minuto seguinte esquecido.
Gostava que fosse assim tão breve
a voz que abre o olho
mas até agora nada ouvi.
A mesa é farta e percorre a atenção
alumiada pelas luzes a meia-haste
e ancorada no rescaldo do que passou.
Não sei dizer como procuro ser noite
no peso morto das danças
que pouca memória empresta
ao acordar.
À minha volta perfilam-se os passos
grosseiros e toscos em cada degrau,
coisa pouca nesse lado decorado.
Vou de dois em dois saltos
numa loucura de chegar mais cedo
aonde a tua boca nunca estará.
Enrolo as mãos a medo
talvez o calor se guarde
enquanto esqueço as horas.
A cabeça alonga-se e não encontro
o sol já no alto das nuvens.
Se calhar não vale muito
reconhecer uma cara em
constante perda de tempo.
O ânimo emperra nas mãos
e o olhar cruza-se sem medida –
está na moda andar torto.
Não sei dizer como procuro ser noite.

02.01.21

tudo parado


Nuno Casimiro

Vá lá que isto anda tudo parado
e o minuto seguinte absolve o anterior
sem tempo para decorar
o preciso momento em que o tic tac
lá do canto da cabeceira
confunde um sonho rendilhado
com a ansiedade esgotante
de aquecer-me sem saber bem como.
Não sinto os pés vai fazer dois dias –
tenho voado daqui para lá
e daí para ali, sem aliviar o descompromisso impresso nas têmporas
e sem mais reconhecer uma cara que tomo como minha.
Sussurro para dentro qualquer coisa com sentido e o peito até incha de certeza.
Tão pleno de convicção!
Tamanha sisudez de pensamento!
Volto convalescente dum metódico sonho
incapaz de passear um dom que apenas se supõe em formigueiro.
Repito fórmulas inventadas à luz dum quarto escuro
somente para comparar os estados diferentes da inquietação.
Serei assim tão corrente? Demasiado longe até para um cão que ladra?
Despacho vários enredos à medida que me dá fome
fomentando assim débeis conclusões
que só originam mais tardes em busca
de soluções num copo meio vazio
de frente para as marés irrequietas.
Volto atrás até às reivindicações acérrimas
que fiz ao espelho
e desfaço a barba para reconstruir o ócio
sem enfrentar a importância da rotação da terra – e do meu pulso – sobre os estilhaços do desentendimento.
Sinto um chamamento feroz
daquilo que vos é belo e que acrescenta melodia à voz e ao assobio.
Talvez reflicta sobre isso durante um sono retraído que sempre acontece nos primeiros dias de janeiro.

Vá lá que isto anda tudo parado
e ninguém nota nas almas detidas
à porta da noite que finda.