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À Beira da Lua

À Beira da Lua

27.02.21

tom de aviso


Nuno Casimiro

razia depois das duas
enrolo os medos
e expilo o fumo
que chega em tom
de aviso

parece sádico rabiscar planos
ainda medonho rasurá-los
azambumbo-me à luz de vela
mal as sombras se levantam

plenitude além colinas
reflexo da paz
que não traz paz
cuidado não caias

lembro a gravidade
de um sítio novo

ares sufistas
tem feito sol
entre distâncias

cheira a livro velho
cada revirar de dia

ajeito os cabelos
reajusto a vista
levanto as orelhas
finto os átomos do ar
mas não há muito que fazer
aí vem o verão

recordo um mover de mão
depois uma praia qualquer
até um adeus despistado

depois das quatro
encosto a cabeça
o instinto desalinha-se
o sonho reencontra-se

rêverie, bien sûr

24.02.21

instantes pausados


Nuno Casimiro

fugazmente
limpo a vista
e a secura decora a boca

aceleração drástica
sem tempo para acompanhar
o trajecto dum sorriso
para o lado

verde
muito verde
a cada quilómetro
além voz que se prende
junto ao mar

comes peixe fresco
sábado sim
amanhã não
cheiros ventosos
há ternura nas mãos
enroladas nas vísceras
ovadas

e em cada lamiré
um novo raiar
entrelaçado na cómoda forma
de colocar a razão
à espreita

externamente
belisco a pele que se troca
num acordar lento e ansioso
ouço o dia de longe
sem lembrar as questões
lançadas para debaixo
do sonho trémulo

mas alimenta um olhar
embora trapaceiro e tímido
descongelam as nuances
de descansos improvisados
saliva-se por mais toque

apreensão

dedico o horizonte que alcanço
ao cheiro das manhãs
imbuído na pele que me toca
mesmo entre instantes
pausados

23.02.21

céu azul


Nuno Casimiro

Entre a neblina vertiginosa
e o sol que se esconde
corre o vento que encaixa
e confirma o sabor dos dias.
Descem as despesas dum peito cerrado
à medida que se guardam instantes
sem remexer num pensamento
nem num movimento de língua.
Movem-se largas as nuvens
e o céu azul incha os propósitos
de meia perna à espera
de chegar mais longe
a cada copo de tinto por pensar.
Alonga-se a corrente
comungada com os voos assertivos
dos assobios que pairam
acima da altivez de um soslaio.
Cresce uma qualquer ansiedade
que só promove mais nuvem
e desacerto suado como chuva
que escolhe quem molha.

Dou-me sozinho
e caio em mim
sem fundo
ou fado.

Custa a engolir o primeiro gole
mas devagar chega o doce
de saber estar.

18.02.21

chão aveludado


Nuno Casimiro

Existe um momento em que a luz do sol
empresta um pouco de fulgor
ao peito que se avoluma sem parar.

Pisa-se um chão aveludado
e rebola-se até ao próximo passo.

Pensa-se em nada.

Transpiram-se os instantes suspirados
e pouco importa a aspereza da memória
que se emprestou ao desdém.

Algures num momento assim
os formatos pensados e esmagados
trocam de forma e já nem caibo na moldura.

Já nem caibo em mim
quando regresso
com a noite.

Pensa-se em nada.

Ao aprender a ser só
as palavras embalam na língua
mas esbarram nos dentes
voltando para trás,
como que numa simulação atrevida.

Desaprende-se a compostura
e a respiração habitua-se
ao isolamento das espécies,
mas nunca recordo
para que lado tudo encaixa.

Já nem caibo em mim
quando em nada penso.

16.02.21

meio dia


Nuno Casimiro

Meio dia embebido

Vida solta
sem engomar a roupa

Vinte e cinco lições

Soa a pouco para tanto limão

Nem vejo terra por baixo
para pintar outra cor

Vroom vroom
daqui ao lado
Nem se permite o silêncio

Dá-se a volta ao mundo
num pedaço de tinto

O tornozelo dobra-se
a si próprio sem aviso
na órbita de plutão

E o resto continua
em jeito de canto

Já vou

Enfim chegarei
onde hei-de não estar

Preenchem-se os espaços
                                               vazios
com mãos vazias
e desdizeres

Meio dia embebido

Vou indo
enquanto a lua sobe   tímida

O arroz arrefece
Vira papa

Troco o passo
viro pro lado contrário

Faz-se pôr-do-sol
quando menos se quer noite

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