Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

À Beira da Lua

À Beira da Lua

26.08.21

e no entanto move-se


Nuno Casimiro

energia enlaivada
na fugacidade de lampejo

persiste a iminência 
do vazio dos dias comuns

sacodem-se os dizeres 
até não haver mais língua

amarro o desconforto junto ao peito 
e fito um olhar que não me espera

tirocino prosas em barricas de carvalho
prendendo o sol na cave do mal-saber

ziguezagueio entre orquestras sem maestro
esperando ouvir quem te cante

subo ao palco do tempo que se ganhou

olvidando como se declama de peito cheio

energia que se profetiza
no seu jeito etéreo

canoniza-se um mover de mão
sem alguma vez revolver terra

transpiram-se os passos axiomáticos
mesmo sem saber caminhos

mastigo as ondas que fantasio cruzar
sem nunca sulcar os mares

julgo as distâncias e empoleiro as vicissitudes
nas varandas que decoram constelações

transito entre margens estreitas em mariposa
sem afastar os refluxos de andar para trás

vingo o estilo falacioso da fala multissecular
e escrevo poesia canhota perante os silêncios

energia que se apaga

num sopro

e no entanto move-se
        por entre os mundos 
               de um longo suspiro

20.08.21

pé fora de tom


Nuno Casimiro

mal me queira

Transversalmente dir-me-ão

que já não há búzios na areia
que permitam escutar
as canções do mar.
Nas raízes viscerais das florestas
por onde ninguém passa
ostentarão o mistério do silêncio
sem lhe saber tocar.

bem me queira

Tangencialmente indicar-me-ão
os detritos que fustigam
quem tenta ser mais
do que uma repetição.
Nas idas e voltas rotineiras
passarão tudo a pente fino
evitando olhar por cima do ombro
que se encavaca a cada dia.

mal me queira

Tendencialmente exonero-me da mesa
assentado nas mãos dissimétricas
orfãs de harmonia singela
e de pulso rotativo.
Revigoro-me na total dissonância
de um pé fora de tom, reentrando
agilmente nas derivações de um sonho
que sagazmente cumprir-se-á.

bem me queira

20.08.21

contramaré


Nuno Casimiro

há um dia que mal se faz
sem cheirar as manhãs
junto de um qualquer rio.

olho para um ecrã que me fala
e um zumbido sempre se eleva.

que rescaldo se fará
quando nada existe
mesmo que a lua me contemple
noite após dia?

estou dividido em duas vidas:
aquela que se vive
e onde todos existimos
e mais tarde morremos;
aquela que se sonha
mas que não se cumpre
em toda a sua infinitude.


que exaustivo é o acordar
perante dualidades profundas;
quanta náusea se profetiza
veiculada em respingos torcidos.

olho para o ecrã que me fala
e em código o zumbido avoluma-se.

ironizam-se carências
e abstém-se a simplicidade
de um beijo que se deu outrora.

outrora,
correria sem pensar,

caem mundos 
sobre fundos.

uma sensação desmoralizante
rasga as estranhas do meu corpo néscio.
choro um rio
aos solavancos
sem medir distâncias.

vou de bruços em contramaré,
arreganho os dentes
e finjo fazer sentido.

fito o ecrã que me fala
e o zumbido tranca a vida sonhada.

quanta náusea
nestes dias fotocopiados
na reprografia mais recôndita.

18.08.21

sabor a café


Nuno Casimiro

dou meia volta ao quarteirão
indo atrás de um novo sabor
a café.

faz calor

deslizo sob alcatrão
e varro um dia inteiro
para debaixo do sol alto.

cruzo-me com escaparates
e desvio o olhar do reflexo
que se distrai em plena
estaticidade.

que embaraço
é o movimento incrédulo
sem espinha que se endireite.

pé ante pé

faço vista grossa
e quedo-me afiançado
por boicotes esotéricos.

contravolta ao quarteirão
regresso ao mesmo sabor
a café.

não me sabem o nome,
mas sabem-no curto
sem açúcar
e sem palavras.

17.08.21

frágil pulso da identidade


Nuno Casimiro

reentro em cena
agastado e impaciente;
formigueiro desenvolve-se
enquanto julgo-me
onde não estou.

quero parar em esplanadas
desertas de rumores
onde voam breves tons
sobre o mar
que não navego.

reviro papéis soltos
em busca de algo que se disse;
revoltam-se as entranhas
perante os dias quentes
em nuances laranja-grave.

quero parar diante do teu sono
e calcular mundos sem mim;
arregaço as mãos trémulas
e disperso nuvens negras
que assombram as manhãs.

ao ritmo da maré baixa
aventuro-me sem fecundar
ecoando o mesmo zumbido
sobre as coisas que perseguem
o frágil pulso da identidade.

quero ser herberto, sophia,
destemido e de língua rotativa;
mas sou apenas uma
alma penada.

Pág. 1/2