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À Beira da Lua

À Beira da Lua

29.10.21

vem aí chuva


Nuno Casimiro

vem aí chuva
sou pequeno como a primeira gota
microscópica que anuncia a dor de joelho

deve ser de persistir
em andar atrá do tempo
que se imaginou em cada contracurva
na paisagem que sempre foge
pela janela de um peito vazio

os dias tropeçam na noite
faz-se silêncio na iminência
de uma sílaba mais cerrada

corta o vento pelo caminho
que nunca se escolhe e
encolhe a língua sem dizer ao que vem
falaciosamente cumprindo a indiferença
que cresce apertada

vem aí chuva
sou um pequeno nada
como um dia taciturno de inverno

desaparece o brilho
numa troca de cadeiras
ninguém deixa esquentar o desatino
de viver sem sobressalto que exaspera
uma palpitação inesperada

inda vou a tempo
comprei o bilhete das treze
para longe da vista desarmada

apalpo os bolsos e julgo ter condições
de trespassar o nevoeiro vespertino
não encontro nenhum medo
nem hesitação que me faça coçar
o pesadelo que me insinua

têm dito que vem aí chuva
talvez esperasse a maior precipitação
para terminar o pesamento

14.10.21

vésperas de mundos novos


Nuno Casimiro

Fazem-se anos a cada reconquista
da exaltação do espectro
que desmantela o que se ousará dizer,
sem crenças compensadas
pelos acrobatas que jamais endireitarão
os estendais fúnebres lá fora.

Entregam-se ensinamentos
de ritmo desconexo
ao desdém da mesa cheia de histórias
e queijos derretidos pelo sol
que mal pode esperar
por ser noite.

A ostentação de um dia claro
pendura-se em sorrisos
que se rasgam sem contagiar
o cerne da ocasião divina.

Ainda estão por destrinçar
as almas que cantam
em vésperas de mundos novos.


Outrora pulava-se de colo
                      em colo
ajeitando ideias
aconselhadas
ao ouvido.

Come um chocolatinha, moço!,
já dizia o avô que escrevia poemas
sobre um mundo que foi seu.
Tinha rima, compasso
e paixão
sem esquecer a alegria de dizer
cada palavra.

Concentração à volta da mesa
atenção ao detalhe do bordado da avó,

Ai de vocês se me sujam a toalha!
Nostálgica a forma como
nada se alterava
e tudo se decorava,
inclusive os padrões da toalha
que animavam as simbologias mais distantes
das vozes que apregoam vida.

Num pulo saltava-se por cima dos timbres
até ao outro lado das distopias e dos silêncios,
sem recobro perante o desamparo sem brio,
sem réstia de sabor a folar fresco
numa manhã sem primavera.

Fazem-se anos porque sempre se cumprem,
mas oxalá se continuem a escrever poemas
sobre o mundo que aconteceu
e sobre a alegria de os dizer
à volta do bordado
que ninguém evitou sujar.