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À Beira da Lua

À Beira da Lua

25.05.23

corda ao sapato


Nuno Casimiro

quem me dera ser sopro
existir na leveza de ser brisa
serpentear conversas gravitacionais
e habitar no vácuo dos pesos insustentáveis

existencialmente mal encaro a metafísica
da rapidez dos planos que me escapam
questionando os silêncios que me pregam ao chão
e retiram vaidade à sensatez

quem me dera ser rua larga
existir na profundidade de um caminho frenético
onde a destreza dos dias descola do murmúrio das noites
e aí ser um instintivo voo de pássaro

até me sinto pronto
quando dou corda ao sapato
mas o piso esbate-se
e não caibo em nenhum quarteirão

quedo-me esperançosamente à escuta
de um prenúncio que me convença
desbaratando convicções sobre luas cheias
e presságios cheios de sumo de fruta velha

dentro do espectro de uma passividade ágil
chegam-me sempre leves notas de sabor solto
que perpetuam filosofias mancas
sobre suspiros e cores que se gastam

para já sou horizonte
existo na artificialidade das coisas
projectando a cada dia um novo rumorejo
de acordo com a brevidade de uma voz alheada

04.05.23

beijo suave na testa


Nuno Casimiro

mãe é sossego e agitação
é mar e paisagem
é lençol estendido na rua

mãe é ser árvore que dá fruto
e sombra num dia calorento
é a primeira face que se decora
e a primeira voz que se adivinha

mãe é brisa fresca e um chilreal matinal
é uma colher de mel
e uma presença que se quer à volta

mãe é colo e lições
é um horizonte imaginado às cavalitas
e uma vela que alumia o breu

mãe é manhã e lua cheia
é chuva que recebe a primavera
é um beijo suave na testa

mãe é um abraço quente
de onde se parte
e para onde sempre se volta

04.05.23

ruas sem mim


Nuno Casimiro

é o coração que se distancia
perante a razia dos dias comuns
entre dissonâncias à boleia das multidões

mal solto a voz
questionando o peito
que se abre para mim

sonho com medos
e acordo em lamúrias
afiadas como lâminas

já saio da cama
tapando o rosto
com as mãos trémulas

fico a pensar
naquilo que posso dizer
e de nada adianta

desconfio do rumorejo dos dias
e da parca intensidade
do meu enquadramento

a luz de fim de tarde chega
varre o silêncio
invade a tela

quedo-me só
como nunca antes fora tão urgente

por breves segundos
saio do meu corpo

enfio a ânsia num void
e perscruto a profundidade
das ruas sem mim

disse tantas palavras hoje
nem uma trouxe calor

estico o lençol
e enfio bem as pontas
por debaixo do colchão

a coisa até fica arrumada
por instantes