18.08.23
persistência de tentar outra vez
Nuno Casimiro
aqui me tens, noite –
já não sei ser sozinho
desato as mãos díspares
num estonteante vazio
certamente
há palavras pesadas,
acentuações que tornam
tudo mais grave
tudo se vira do avesso
à chegada do calor
nem se presume
nem se evita
na ponta dos dedos ágeis
sinto a fluidez
do que tinha de ser dito
mas os sons hesitam
de tão breves que são
não acompanham
o desamparo
já não sei ser sozinho –
aqui me tens
passeio por pouco tempo,
hesito, estaciono os pensamentos
a estrada emaranha-se perto de mim
imbuída num silêncio só seu
perspectivo um dia diferente
sem desconfiar de qualquer ânsia
resvala desconforto
entre quarteirões distantes,
multiplicam-se dúvidas
na iminência do quotidiano
mais banal e feroz
a perna treme em reflexo
mal me dou conta
da hesitação do que virá a seguir
aqui me tens, noite,
na loucura de ser sozinho
debruço-me sobre uma tela por pintar
sem saber das cores que realçam
a persistência de tentar outra vez