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À Beira da Lua

À Beira da Lua

18.08.23

persistência de tentar outra vez


Nuno Casimiro

aqui me tens, noite –
já não sei ser sozinho

desato as mãos díspares
num estonteante vazio

certamente
há palavras pesadas,
acentuações que tornam
                tudo mais grave

tudo se vira do avesso
à chegada do calor
                   nem se presume
                          nem se evita

na ponta dos dedos ágeis
sinto a fluidez
do que tinha de ser dito
mas os sons hesitam
de tão breves que são
         não acompanham
                    o desamparo

já não sei ser sozinho –
aqui me tens
passeio por pouco tempo,
hesito, estaciono os pensamentos

a estrada emaranha-se perto de mim
                  imbuída num silêncio só seu

perspectivo um dia diferente
        sem desconfiar de qualquer ânsia

resvala desconforto
entre quarteirões distantes,
multiplicam-se dúvidas
na iminência do quotidiano
mais banal e feroz
         a perna treme em reflexo
         mal me dou conta
         da hesitação do que virá a seguir

aqui me tens, noite,
na loucura de ser sozinho

debruço-me sobre uma tela por pintar
sem saber das cores que realçam
a persistência de tentar outra vez

09.08.23

tempo disfarçado


Nuno Casimiro

Pairo sobre estrada em rua larga
calcetada antes da roupa se estender
o chão treme à chegada do movimento
atabalhoada ânsia de desenvolver sentido

momentos antes de tudo acontecer outra vez

Persigo a desenvoltura das árvores
erguidas ainda antes do sol renascer
presumo que há encanto nesta soberba
tal qual forma de permanecer quieto
sem atrair males menores
porém
vem brisa
sussurrar presságio
que falta fazer cumprir

Volto atrás para comparar o tempo disfarçado
os dias faziam-se mais quentes e lúgubres
ao redor de palavras mal pronunciadas
realmente
à noite cai sempre mais agitação
até julgo ouvir o mar solto
num zumbido breve

03.08.23

desdém de pensar breve


Nuno Casimiro

       detenho-me num sonho
     respiro-me rarefeito

raras vezes fui concreto
nenhum contratempo me desvenda
no cenário distópico que se estende

       no meio de tudo
     desenrolo mãos vazias

entre quarteirões calcorreados
arremesso suspiros trauteados
desgrenhando sílabas ásperas

       calculo os centímetros
     para além de mim

o corpo agonia-se esfuma-se a lógica
no desdém de pensar breve sem compasso
dissimetria das redundâncias mais obtusas

       distancia-se paulatinamente
     a agudeza dos dias escuros

regressivamente teima em chover
no encalço do sítio que parece certo
desmesurando o sopro dos ventos

Ó(ooo),
quem me dera ser onda
desembaraçadamente orquestrada
dentro de tela pintada em aguarela fingida

É,
quem me dera ser delírio
pernoitar no desensoberbecer
dos mares que se agitam em silêncio