29.09.23
sensação de coisas soltas
Nuno Casimiro
Bate a noite: é paranóia em
frenesi. Porém há roupa estendida que
antecipa outro dia, outra chance de
desafiar coisas engasgadas. Bato o pé: a
sapatilha gasta diz de si e conta
histórias. Tanto quilómetro salteado à
beira da mesma melancolia:
por aqui vou
já não há-de faltar muito
Quero ver esse mundo novo. Descanso
o cigarro na ranhurazita do
cinzeiro. Espero. Sublinho frases que
até fazem sentido e recosto-me
nas sidelines do trânsito. Vejo a brisa
soprar tudo p'ro mesmo lado. Buzinas
entorpecem a desordem adocicada
de cidade grande. Ocupo-me com outras
coisas, outros barulhos. As mãos
gesticulam probabilidades. Ponho-me a
caminho e recupero o cigarro:
é desta que vou
não há-de faltar muito
A travessa vem compacta na
casa isa – encho a barriga e
contrario a moleza. Pinga p'la testa o
esforço de limpar o prato por inteiro:
venho de longe simulando valentia.
Sem grande arcaboiço. Certo.
Hesito: retomo o caminho dos
dias iguais. Prendo um choro antigo e
antecipo a chuva que há-de chover. Ato
bem atada a sensação de coisas
soltas. Mas nada é tão compacto como
os escalopes na casa isa.
por aqui estou
já não há-de faltar muito