11.12.23
sempre que desfaço a barba
Nuno Casimiro
Aqui estamos, flutuando entre chuvas
intermitentes. Quem me dera ser
sempre um fim de semana prolongado,
permanecer na procrastinação dum pulso
enferrujado e almejar coisas que ninguém
quer realmente. Rodopio as mãos entre os
cabelos e lá encontro um jeito, mesmo que
precoce perante o vento que sopra e
me empurra. Sigo vespertinamente na
ilusão subterrânea de que os dias
passam rápido e sem dor, tal como
tanta vivalma que se sufoca e
estica até aos cantos agudos das
carruagens. Aí se vêem as manias
de cada um, os jeitos, os tiques,
o esforço de acordar e seguir caminho
numa segunda medonha, os cabelos
arrumados, a roupa engomada
até os cheiros ou a vontade de existir
patente nos diferentes bocejos.
Vou pulando entre músicas até
reencontrar um tom que corresponda
ao humor ou à forma em que o cabelo
assentou. Reflito sobre o meu próprio
reflexo – demoro mais sempre
que desfaço a barba.
Que alívio é chegar ao destino e subir
à superfície. Sabe a missão
cumprida e que metade
do dia já passou
– ilusão
não engana.