30.11.20
águas de barro
Nuno Casimiro
pensamos tanto
sentimos tão pouco –
passa um pássaro que passeia o seu passo
a altivez de um voo
a roçar as águas de barro
num meio de tarde
com catorze por cento de probabilidade
de dilúvio.
o eco lá de cima
enche os ouvidos de purezas
e de arrasto chega um choro quente
que transborda o fosso de uns lábios
com tanto por acertar.
rodopia um sentido de beleza
reúnem-se as nuvens e o céu estala
em tons de aviso prévio
sobre o alvoroço celestial.
alguém acima das coerências
prime um qualquer botão
quase cegamente
quase descomprometidamente
e ignoramos a razão de haver alguém acima.
nem chega a ser questão
contrariar as desavenças dos abismos
debaixo da língua.
por um longo tempo
contemplo a fachada que se ergue –
tudo é a fundação do desconcerto.
mantém-se o cheiro da água barrenta
e os voos vão cada vez mais a fundo
com propósito visceral.
uma voz conhecida restabelece a ordem
e brindo com o rimbaud
ao ânimo de beber a sós
sob a batuta do incompreensível.