28.11.20
aquilo que falam
Nuno Casimiro
não sinto nada daquilo que falam
apenas a tristeza que persegue cada final de dia. desce então com o rio uma amargura extenuante
sentindo-se a comoção das vidas vazias
em cada reflexo das luzes paradas
sem iluminar qualquer fala mais ampla.
ah, que execrável é não sentir nada...
ouço quem diga maravilhas sobre os dias de chuva mas nunca sentiu a sombra das nuvens cheias e dos céus malditos, pesados, carregados de melancolia que se cola ao peito e não deixa sequer pensar.
nunca sei daquilo que falam.
chego perto de sentir vida em mim
ao decorar as rugas delicadas de quem se deita a meu lado
em busca de uma ponta de conexão
com as perguntas que não deixam dormir -
nem sentir.
não sinto nada. às vezes julgo-me a nadar mares sem maré
em cada braçada um recuo
um percalço em cada miragem de terra firme.
fico sem pé ao despertar e sufoco na realidade que nunca me tocou.
serei mais breve do que previa
e talvez nesse instante, daqui até não haver mais mar,
possa finalmente partir de onde nunca antes tinha chegado.
ah, que execrável é não sentir nada...