19.02.24
amendoeira em flor
Nuno Casimiro
ensopado em getz
sorvo o molho à base de colorau
cebolas, azeite, gilberto e alecrim.
estico a perna assim que
pica a dormência infalível
de barriga cheia. lembro um
rio lento e como sabe bem
comer peixe na casa da mãe.
volto ao molho munido
de pedaços de pão –
não há bordado para sujar
nem pinga que se debruçe sobre
a dourada mal amanhada.
encolhe-se a esplanada vazia
onde páro. qualquer voz me sacode
a atenção sem perscrever a intenção
de estar só. de cigarro em riste, seguro
uma vontade de existir num momento
longo, mas sempre escurece por cima
dos pensamentos mais passageiros.
diametralmente, ofusco um mover de
mão mais astuto e prossigo em perseguir
palavras que me emprestem estrutura
e certeza. mal encontro uma rima
dispersa insisto em desmanchá-la
em ritmo disfarçadamente trauteado.
o paladar vai-se prolongando perante
os ventos que assobiam intempéries.
molho os lábios face à secura ingénua
que vai revelando diferentes aromas
dos ciclos vespertinos dos meus anseios.
tal como um vislumbre
de uma amendoira em flor
ameniza uma saudade,
concluo um dia entre parêntesis
afirmando um passo regulado
pela certeza da memória de um sabor.
(persisto na véspera de celebrar nostalgias,
iminência de cabelos brancos e uma
voz menos aprisionada. a roupa estendida
anseia por ser recolhida na cadência de
um sol que lugubremente se vai soltando.)