20.08.21
contramaré
Nuno Casimiro
há um dia que mal se faz
sem cheirar as manhãs
junto de um qualquer rio.
olho para um ecrã que me fala
e um zumbido sempre se eleva.
que rescaldo se fará
quando nada existe
mesmo que a lua me contemple
noite após dia?
estou dividido em duas vidas:
aquela que se vive
e onde todos existimos
e mais tarde morremos;
aquela que se sonha
mas que não se cumpre
em toda a sua infinitude.
que exaustivo é o acordar
perante dualidades profundas;
quanta náusea se profetiza
veiculada em respingos torcidos.
olho para o ecrã que me fala
e em código o zumbido avoluma-se.
ironizam-se carências
e abstém-se a simplicidade
de um beijo que se deu outrora.
outrora,
correria sem pensar,
caem mundos
sobre fundos.
uma sensação desmoralizante
rasga as estranhas do meu corpo néscio.
choro um rio
aos solavancos
sem medir distâncias.
vou de bruços em contramaré,
arreganho os dentes
e finjo fazer sentido.
fito o ecrã que me fala
e o zumbido tranca a vida sonhada.
quanta náusea
nestes dias fotocopiados
na reprografia mais recôndita.