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À Beira da Lua

À Beira da Lua

26.04.24

à beira do imprevisto


Nuno Casimiro

mãos
movimentos
mãos em movimento
movimento de mãos

entre pensamentos
vem síntese a cada gesto de mão
mão contramão sem mão
sem pensamento
mão em dança                 ternura
                                                    vida
'tá a pedir cigarro
mão sem saber o seu lugar
mão que não encaixa
no bolso mais próximo
mão encontra bolso rasgado
comichão bem dentro do nariz
mão que te afaga os maus pensamentos
e leva à boca a mesma cerveja
mão sem mão que meça palmo preciso
sei lá eu até onde chegam
10 centímetros em trânsito

mão que fala demasiado
sobre mãos
mão de fumo em riste
nem apaga fogos
foco no movimento
é preciso precisão à beira do imprevisto
mão desenha imprecisão
desdenha regra e compasso
'tá aí qualquer rasgo mais necessário
mesmo sem régua nem esquadro
sem trégua nem esboço
dum rascunho sai valor inseguro
precipitação dum sapato que escorrega
percebe que do caroço sai árvore
e com destreza descasca fruta
mão solta      sozinha      não tá limpa
remexe e desarruma
apruma esse sentido
faz-se abril mexendo fundo
não tá certo?

digo mais do que sei
e arrebato-me ao que venho
ficam as mãos à deriva
de um movimento

volta a chuva
e eu arredado da fala seguinte
as mãos dão a dica
a impaciência cresce
não sei onde me sente
não sei onde me sinta
pensava que os dias claros
tinham vindo pra ficar

five leaves left
já dizia o nick drake
sequestrado por sensações
que mal se agarram à voz
carimbo o espírito pétreo
que me despe causticamente
e volto a assumir
um movimento de mão antigo
de cabeça inerte e co[r]po grande

[mãos
trémulas]
haja litoral
haja movimento
haja onda revoltada
que desemboque
nesta barragem vazia
mão em repetição
destranco reacção
levanto o copo
e sigo a desenvoltura
duma memória fresca
sobre comer queijo
com marmelada

hoje fico,
vejo bem daqui

24.03.23

poema manco


Nuno Casimiro

eis que toco o chão à margem de uma palavra pesada
sobressaltando a ligeireza de um contratempo inventado
no soluço de uma contemplação sobre os céus.

estendo as minhas mãos no movimento remoto dos barulhos
sincronizado com um café adiado num cruzamento esquecivel
e esgatanho a disforia enrolada no vento que me sarabandeia.

perscruto uma onda sem areia onde construir castelos
que meçam a força de um ímpeto assimétrico sobre um sonho
na retrospectiva de um mar que as minhas mãos não embrulham.

08.12.20

terra húmida


Nuno Casimiro

constantemente
pairo sobre os campos secos
             esperando vida.

um ar quente
humedecido em ilações precoces
agarra um movimento
e o chão que treme faz-me estático.

o inexplicável
assola as ânsias e chega um medo
             solene, silencioso.

— Deixo a janela meio aberta,
     virá um dia um rasgo dos céus
     comungar-me com os dias limpos
     e saberei quando ousar o espírito
     que me esqueço de cuidar.

invariavelmente
percorro as ruas cheias com luzes
             esperando silêncio.

sinto um frio
que descende ao âmago dos mares
agarra um dissabor
e os barulhos estranhos tornam-se melodia de meia noite.

cada passo
contraria um rumo delineado
numa vida anterior, esquecida (eu esqueci).

— Deixo a alma meio fechada,
     virá um dia um rasgo dos céus
     extraviar todos os sentidos
     e saberei povoar-me
     de dizeres bonitos.

chega-me uma nêspera
do quintal da minha avó
cheiro as recordações
terra húmida
que só vi tratar.
— Nunca soube como tratar
    uma raíz.